Era uma vez - Fábulas e Lendas: 2012

Olá, crianças!

6 de dezembro de 2012

Sapo com medo d'água



No tempo em que os animais falavam, certo homem, vendo que o sapo cantava sobre uma pedra, agarrou-o e o levou para os filhos, a fim de que se divertissem. Depois de obrigarem o sapo a cantar várias músicas, as crianças começaram a maltratar o bicho. No fim, já cansadas de fazê-lo sofrer, decidiram matá-lo.
– Vamos amassar a cabeça do sapo com um pau! – gritavam.
E o sapo respondia: – Minha cabeça é dura como ferro!
– Vamos rasgar o sapo com faca!
E o sapo: – Me corpo é fechado pela proteção de São Jorge e nada me mata!
– Vamos esmagar o sapo com uma pedra!
– Isso só serve pra me fazer cócegas!
– Vamos jogar o sapo na lagoa! – concluíram os meninos.
E o sapo, que era muito esperto, começou a chorar e a implorar: – Pelo amor de Deus! Na lagoa não! Me queimem vivo, mas na lagoa não! Se me jogarem na lagoa eu morro rapidinho!
As crianças, mais do que depressa, pegaram o sapo, correram pra lagoa e, felizes pela maldade, jogaram o sapo n’água. O sapo deu um belo mergulho, voltou à tona e, rindo das crianças, gritou: – Seus bobos! Eu sou bicho d’água! Eu sou bicho d’água!

É por esse motivo que, quando os antigos viam alguém recusar algo de que gostasse muito, diziam: – Esse é sapo com medo d’água...


27 de novembro de 2012

Pau de Dois Bicos, Monteiro Lobato



Um morcego estonteado pousou certa vez no ninho da coruja, e ali ficaria de dentro se a coruja ao regressar não investisse contra ele. 
- Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha casa, sabendo que odeio a família dos ratos? 
- Achas então que sou rato? Não tenho asas e não vôo como tu? Rato, eu? Essa é boa!... 
A coruja não sabia discutir e, vencida de tais razões, poupou-lhe a pele. 
Dias depois, o finório morcego planta-se no casebre do gato-do-mato. O gato entra, dá com ele e chia de cólera. 
- Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha toca, sabendo que detesto as aves? 
- E quem te disse que sou ave? - retruca o cínico - sou muito bom bicho de pêlo, como tu, não vês? 
- Mas voas!... 
- Vôo de mentira, por fingimento.. 
- Mas tem asas! 
- Asas? Que tolice! O que faz a asa são as penas e quem já viu penas em morcego? Sou animal de pêlo, dos legítimos, e inimigo das aves como tu. Ave, eu? É boa... 
O gato embasbacou, e o morcego conseguiu retirar-se dali são e salvo. 

Moral da Estória: 
O segredo de certos homens está nesta política do morcego. É vermelho? Tome vermelho. É branco? Viva o branco!


25 de outubro de 2012

O burro sábio



No tempo em que os animais falavam, uma assembléia de bichos se reuniu para resolver certa questão.
Compareceu, sem ser convidado, o burro, e pedindo a palavra pronunciou longo discurso, fingindo-se estadista.
Mas só disse asneiras. Foi um zurrar sem conta.
Quando concluiu, ficou à espera dos aplausos; mas o elefante, espichando a tromba para o seu lado, disse:
- Grande pedaço de asno! Roubaste o tempo, a nós e a ti.
A nós, porque o perdemos a ouvir asneiras; e a ti, porque muito mais lucrarias se o empregasses em pastar. Toma lá este conselho:
UM TOLO NUNCA É MAIS TOLO DO QUE QUANDO SE METE A SÁBIO.

Moral da Estória:
Uma mesma verdade pode ser expressa de modos diferentes.

José Bento Monteiro Lobato


18 de outubro de 2012

O gato, o galo e o ratinho, fábula de Esopo



Um ratinho vivia num buraco com sua mãe. Depois de sair sozinho pela primeira vez, contou a ela:
-Mãe, você não imagina os bichos estranhos que encontrei! Um era bonito e delicado, tinha um pelo muito macio e um rabo elegante, um rabo que se movia formando ondas. 
O outro era um monstro horrível. No alto da cabeça e de baixo do queixo ele tinha pedaços de carne crua, que balançavam quando ele andava. Der repente, os lados do corpo dele se sacudiram e ele deu um grito apavorante. 
Fiquei com tanto medo que fugi correndo, bem na hora que ia conversar um pouco com o simpático.
-Ah, meu filho!-respondeu a mãe. -Esse seu monstro era uma ave inofensiva; o outro era um gato feroz, que, num segundo, teria te devorado.

Moral: Jamais confie nas aparências.

25 de setembro de 2012

Os dois burrinhos de tropa


Muito lampeiros, dois burrinhos de tropa seguiam trotando pela estrada além. O da frente conduzia bruacas de ouro em pó; e o de trás, simples sacos de farelo. Embora burros da mesma igualha, não queria ser o primeiro que o segundo lhe caminhasse ao lado.
- Alto lá! - dizia ele - não se emparelhe comigo, que quem carrega ouro não é do mesmo naipe de quem conduz feno. Guarde cinco passos de distância e caminhe respeitoso como se fosse um pajem.
O burrinho do farelo submetia-se e lá trotava, de orelhas murchas, roendo-se de inveja do fidalgo...
De repente...
Osh! Oah! São ladrões da montanha que surgem de trás de um tronco e agarram os burrinhos pelos cabrestos.
Examinam primeiramente a carga do burro humilde e, - Farelo! - exclamaram desapontados - o demo o leve! Vejamos se há coisa de mais valor no da frente.
- Ouro, ouro! - gritam, arregalando os olhos. E atiram-se ao saque.
Mas o burrinho resiste. Desfere coices e dispara pelo campo afora. Os ladrões correm atrás, cercam-no e lhe dão em cima, de pau e pdra. Afinal saqueiam-no.
Terminada a festa, o burrinho do ouro, mais morto que vivo e tão surrado que nem suster-se em pé podia, reclama o auxílio do outro que muito fresco da vida tosava o capim sossegadamente.
- Socorro, amigo! Venha acudir-me que estou descadeirado...
O burrinho do farelo respondeu zombeteiramente:
- Mas poderei por acaso aproximar-me de Vossa Excelência?
- Como não? Minha fidalguia estava dentro da bruaca e lá se foi nas mãos daqueles patifes. Sem as brucas de ouro no lombo, sou uma pobre besta igual a você...
- Bem sei. Você é como certos grandes homens do mundoque só valem pelo cargo que ocupam. No fundo, simples bestas de carga, eu, tu, eles...
E ajudou-o a regressar para casa, decorando, para uso próprio, a lição que ardia no lombo do vaidoso.

Autor: Monteiro Lobato


23 de setembro de 2012

O elefante furioso, Lenda árabe


Na floresta de Shaiva, na índia, vivia um sábio que tinha vários discípulos, aos quais falava sempre sobre pontos obscuros de doutrinas e religiões.
Certo dia este sábio ensinou palavras que provinham das escrituras sagradas:
"Deus reside em tudo do universo. Tanto no homem quanto na víbora. Tanto no elefante quanto na pedra solta na estrada."
Ajamila, o mais jovem dos discípulos, guardou fielmente os ensinamentos, profundos e filosóficos, ensinados pelo mestre.
E um dia, quando voltara de um monte onde fora buscar lenha, encontrou um homem que conduzia um elefante furioso.
O homem, que percebeu que não estava conseguindo dominar o animal, começou a gritar:
- Hei! Você, saia do caminho, o elefante está furioso!!
Em vez de fugir, o discípulo lembrou dos ensinamentos de seu mestre e pensou:
"Deus está naquele elefante.
Logo, não poderá me fazer mal, afinal, Deus não faz mal a ninguém." Então não se afastou. O elefante então atacou o imprudente e deixou-o atirado ao solo, ferido e sem sentidos.
Dois lenhadores que passavam por ali levaram o jovem até onde vivia o sábio. Quando recuperou os sentidos, Ajamila contou ao sábio o ocorrido e o motivo pelo qual ele não se afastou do elefante.
- Meu filho - explicou o sábio - é verdade que Deus está em todas as coisas, inclusive num elefante furioso.
Mas se estava manifestado no elefante, não deixava de estar igualmente em seu condutor. Por que não prestastes atenção nos conselhos cautelosos do homem, então? 

Lenda árabe

19 de setembro de 2012

O Jardim do velho pai...


Um velhinho vivia sozinho em Minnesota.
Ele queria cavar seu jardim, mas era um trabalho muito pesado. Seu único filho, que normalmente o ajudava, estava na prisão.

O velho então escreveu a seguinte carta ao filho, falando de seu problema:
"Querido filho,
Estou triste porque, ao que parece, não vou poder plantar meu jardim este ano. Detesto não poder fazê-lo porque sua mãe sempre adorava a época do plantio depois do inverno. Mas eu estou velho demais para cavar a terra. Se você estivesse aqui, eu não teria esse problema, mas sei que você não pode me ajudar com o jardim, pois está na prisão"
Com amor, papai"

Pouco depois o pai recebeu o seguinte telegrama:
"PELO AMOR DE DEUS, papai, não escave o jardim! Foi lá que eu escondi os corpos!"

Às quatro da manhã do dia seguinte, uma dúzia de agentes do FBI e policiais apareceram e cavaram o jardim inteiro, sem encontrar nenhum corpo. Confuso, o velho escreveu uma carta para o filho contando o que acontecera.

Esta foi a resposta:
"Pode plantar seu jardim agora, pai. Isso é o máximo que eu posso fazer no momento."

Autor desconhecido


12 de setembro de 2012

A Raposa e o Esquilo

Uma raposa orgulhosa vendo um pobre esquilo ser surpreendido por uma feroz tormenta, põe-se a escarnecer do animalzinho que tentava subir numa árvore:
- "Eis-te no esquife quase a repousar" - dizia. -"Em vão tentas cobrir com a cauda o rosto. Quanto mais sobes, mais a borrasca violenta a seus golpes fatais te encontra exposto. Ter por vizinho o raio e estar sempre na altura quiseste, e foi teu mal. Eu, numa toca obscura, posso rir-me e esperar que sejas feito pó."
Enquanto se vangloriava, a raposa devorava de uma dentada só muitos pobres franguinhos.
Por fim, a tormenta acaba: o relâmpago cessa, emudece o trovão, dissipa-se a tormenta e retorna a bonança. O céu voltou a ser azul e o sol mais brilhante que antes.
Nisto, um caçador que havia descoberto os rastros da raposa, diz:
-"Por certo, meus frangos vais pagar!"
E começou a lançar numerosos sabujos que a vão desalojar a raposa do seu covil.
O esquilo, do alto de um galho a vê fugir apavorada, veloz, à frente da matilha que a acossa ferozmente.
O bondoso esquilo poderia sentir prazer gratuito ao perceber se abrirem para ela as portas da agonia. Mas, vendo-o, não escarnece da impiedosa raposa, pois ainda traz na mente as sofridas impressões do susto recente...

MORAL DA FÁBULA: Dos miseráveis não se deve escarnecer, pois quem pode assegurar que só feliz vai ser?


14 de agosto de 2012

A Garça Velha, fábula de Monteiro Lobato

Certa garça nascera, crescera e sempre vivera à margem duma lagoa de águas turvas, muito rica em peixes.
Mas o tempo corria e ela envelhecia. Seus músculos cada vez mais emperrados, os olhos cansados - com que dificuldade ela pescava!
- Estou mal de sorte, e se não topo com um viveiro de peixes em águas bem límpidas, certamente que morrerei de fome. Já se foi o tempo feliz em que meus olhos penetrantes zombavam do turvo desta lagoa...
E de pé num pé só, o longo bico pendurado, pôs-se a matutar naquilo até que lhe ocorreu uma idéia.
- Caranguejo, venha cá ! - disse ela a um caranguejo que tomava sol à porta do seu buraco.
- Às ordens. Que deseja?
- Avisar a você duma coisa muito séria. A nossa lagoa está condenada. O dono das terras anda a convidar os vizinhos para assistirem ao seu esvaziamento e o ajudarem a apanhar a peixaria toda. Veja que desgraça! Não vai escapar nem um miserável guaru.
O caranguejo arrepiou-se com a má notícia. Entrou na água e foi contá-la aos peixes.
Grande rebuliço. Graúdos e pequeninos, todos começaram a pererecar às tontas, sem saberem como agir. E vieram para a beira d'água.
- Senhora dona do bico longo, dê-nos um conselho, por favor, que nos livre da grande calamidade.
- Um conselho?
E a matreira fingiu refletir. Depois respondeu.
- Só vejo um caminho. É mudarem-se todos para o poço da Pedra Branca.
- Mudar-se como, se não há ligação entre a lagoa e o poço?
- Isso é o de menos. Cá estou eu para resolver a dificuldade. Transporto a peixaria inteira no meu bico.
Não havendo outro remédio, aceitaram os peixes aquele alvitre - e a garça os mudou a todos para o tal poço, que era um tanque de pedra, pequenininho, de águas sempre límpidas e onde ela sossegadamente poderia pescá-los até o fim da vida.
Moral da Estória:
Ninguém acredite em conselho de inimigo.
 
 

25 de julho de 2012

Iazul, uma lenda árabe (Malba Tahan)


Em nome de Allah, Clemente e Misericordioso! Viveu, outrora, na Pérsia, meio século depois de Timur Lenk, um Príncipe, generoso e bravo, que se chamava Shack Bock. Afirmam historiadores altamente abalizados que esse glorioso Emir tinha, em sua imponente corte, um sábio, mestre e conselheiro, cuja nobre função era orientar o monarca em suas decisões, esclarecê-lo em suas dúvidas e corrigi-lo em seus erros e injustiças.
Esse ulemá, judicioso e previdente, chamava-se Ismail Hassan, e era, pelos nobres muçulmanos, apelidado o Saryh (aquele que é sincero).
Um dia muito cedo, logo depois da prece da madrugada, prece do ritual que os árabes denominam sobh, o Príncipe mandou que viesse à sua presença o douto conselheiro da corte.
Fazia todo o empenho em ser urgentemente elucidado sobre um caso que se apresentava enrodilhado pelo mistério.
Sem perda de tempo, o ilustre Ismail, o Saryh, deixou os seus aposentos, e foi ter ao luxuoso divan (sala de audiências) do soberano persa.
O que teria acontecido? Que caso, assim, tão grave, intrigava o Rei?
O monarca parecia pálido. Em sua fisionomia morena surgiam, tracejando linhas incertas, as sete rugas da intranqüilidade.
Depois das saudações habituais, sem mais preâmbulo, disse o Emir ao judicioso Ismail:
- Acabo de receber, do Khorassan, este pequeno cofre, encontrado pelos meus agentes secretos, entre os despojos do infeliz e estouvado Khalil, senhor de Candahar. Dentro desse cofre vinha, apenas, esse singularíssimo anel de ouro. Desconfio que se trata de jóia raríssima, que pertenceu ao grande Timur Lenk. Como poderei descobrir o enigma que envolve esse anel?
E o Príncipe, estendendo a mão, entregou ao douto Ismail o misterioso anel de Candahar.
Ismail, o sábio (Allah, porém é mais sábio!), examinou detidamente a jóia, virando-a e revirando-a na palma da sua mão. E depois de refletir, em silêncio, durante algum tempo, assim falou ao Príncipe, seu amo e senhor:
- Julgo-me capaz de esclarecer esse mistério. Afirmo que uma das peças mais valiosas do tesouro persa acaba de chegar às vossas mãos. Este anel é o precioso e tão ambicionado anel mágico, que pertenceu ao invencível Timur Lenk, o Perseverante (que Allah o tenha entre os eleitos!). Como podeis ver, este anel, no rico escudo em forma de tâmara, ostenta, em letras bem talhadas, a palavra tão bela e sonora: - Iazul.
- Sim, sim – confirmou o Príncipe, muito sério – já o havia notado. No escudo, entre dois brilhantes pequeninos, lê-se a palavra Iazul. O mistério, a meu ver, permanece. O que significa, afinal, Iazul?
O sábio Saryh ergueu o rosto e, discorrendo em tom pausado e claro, explicou:
- Cumpre-me dizer-vos, ó Rei do Tempo!, que Iazul é uma palavra mágica, de alto e misterioso poder. Asseguro que é a palavra mais expressiva e eloqüente entre todas as que figuram no riquíssimo vocabulário persa. É mágica, repito. Reparai bem: Tem o dom de nos tornar alegres, quando estamos tristes, e de moderar as nossas alegrias, nos momentos de extrema felicidade e ventura.
- Singular, muito singular – refletiu o Rei. - É, realmente, de alta magia, essa palavra que transforma as alegrias em preocupações, e que consegue aniquilar, ou pelo menos conter, as mágoas e tristezas que pesam em nosso coração!
E, fitando gravemente o sábio, acrescentou:
- Mas insisto em perguntar: O que significa essa palavra Iazul? Como podemos traduzi-la?
Respondeu o eloqüente e esclarecido ulemá:
- Iazul, ó Rei!, dentro da sua espantosa simplicidade, significa, apenas Isso passa! Ou ainda: Tudo passa! Quando o homem atravessa períodos de felicidade, de alegria cor-de-rosa, de sorte e tranqüilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades. Convém que o afortunado não esqueça: Iazul! (Isso passa!), a roda do Destino é incerta; a vida é cheia de mudanças. Há ocasiões, porém, em que nos sentimos anavalhados pelos sofrimentos, pelas enfermidades, feridos pelas desgraças, caminhando sob a nuvem da má sorte, da ruína e atingidos pelos golpes imprevistos do infortúnio. Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos, cheios de fé, fortalecidos de esperanças: Iazul! (Isso passa!). Sim, tudo passa! Virão dias melhores, dias calmos, dias felizes; a prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada; a saúde será reconquistada; a serenidade procurará pouso em nosso atribulado coração!
E, depois de ligeira pausa, o sábio concluiu:
- E, assim, ó Rei!, posso afirmar que Iazul, a palavra contida no pequeno escudo deste anel, é mágica! Alivia e abranda as tristezas dos infelizes; controla e arrefece as alegrias alucinadas dos exaltados!
Ao ouvir as eloqüentes e judiciosas explicações do velho ulemá, o Rei tomou o anel, colocou-o no dedo indicador da mão esquerda e disse, serenamente:
- Que notável, interessante e proveitosa lição recebi hoje! Conservarei comigo este precioso anel. Jamais esquecerei em todos os momentos culminantes de minha vida, no meio de estonteantes triunfos, ou sob o guante da desgraça, de recorrer ao eterno ensinamento contido nesta palavra mágica: Iazul!
Quero, ó irmão dos árabes!, terminar esta lenda exatamente como a iniciei:
Esquece, pois meu amigo, esquece, por um momento, as tuas tristezas e aflitivas preocupações; livra-te desta angústia instilada em tua alma pelas incertezas da vida, senta-te, aqui a meu lado, e escuta, com religiosa atenção a palavra mágica: Iazul!
E vale a pena repetir: Iazul! Iazul! Isso passa! Isso passa!

* Referência: Livro Contos e Lendas Orientais, de Malba Tahan.



ESCREVER NA AREIA, Lenda Árabe

Dois grandes mercadores árabes, de nomes Amir e Farid, eram muito amigos e sempre que faziam suas viagens para um mercado onde vendiam suas mercadorias, iam juntos, cada qual com sua caravana, seus escravos e empregados.
Numa dessas viagens, ao passarem junto a um rio caudaloso, Farid resolveu banhar-se, pois fazia muito calor.
Em dado momento, distraindo-se, foi arrastado pela correnteza.
Amir, vendo que seu grande amigo corria risco de vida, atirou-se nas águas e, com inaudito esforço, conseguiu salvá-lo.
Após esse episódio, Farid chamou um de seus escravos e mandou que ele gravasse numa rocha ali existente, a seguinte frase:

"AQUI COM RISCO DE SUA PRÓPRIA VIDA, AMIR SALVOU SEU AMIGO FARID".

Ao retornarem, passaram pelo mesmo lugar, onde pararam para rápido repouso. 
Enquanto conversavam, tiveram uma pequena discussão e Amir alterando-se esbofeteou Farid. 
Este aproximou-se das margens do rio e, com uma varinha, assim escreveu na areia: 

"AQUI, POR MOTIVOS FÚTEIS, AMIR ESBOFETEOU SEU AMIGO FARID". 

O escravo que fora encarregado de escrever na pedra o agradecimento de Farid, perguntou-lhe: 
- Meu senhor, quando fostes salvo, mandaste gravar aquele feito numa pedra e agora escreveis na areia o agravo recebido. Por que assim o fazeis? 
Farid respondeu-lhe: 
- Os atos de bondade, de amor e abnegação devem ser gravados na rocha para que todos aqueles que tiverem oportunidade de tomar conhecimento deles, procurem imitá-los e, além disso, para que esses atos não possam ser apagados com o tempo. 
Ao contrário, porém, quando recebemos uma ofensa, devemos escrevê-la na areia, próxima as águas para que desapareça, levada pela maré, a fim de que ninguém tome conhecimento dela e, acima de tudo para que qualquer mágoa desapareça prontamente no nosso coração..


21 de julho de 2012

Lenda do Castelo de Bragança ou da Torre da Princesa

Quando a cidade de Bragança (Portugal) era ainda a aldeia da Benquerença, lá vivia uma princesa bela e órfã com o seu tio, o senhor do Castelo.
A princesa tinha-se apaixonado por um jovem nobre e valoroso, apesar de pobre. Este, que também a amava, partira para procurar fortuna, prometendo só voltar quando se achasse digno de a pedir em casamento.
Durante muitos anos a princesa recusou todas as propostas de casamento até que o tio resolveu forçá-la a casar-se com um nobre cavaleiro seu amigo.
Quando a jovem foi apresentada ao cavaleiro decidiu contar-lhe que o seu coração era do homem por quem esperava há 10 anos. Este fato despertou a cólera do tio, que resolveu vingar-se. Nessa noite, o senhor do Castelo disfarçou-se de fantasma e, entrando por uma das duas portas dos aposentos da princesa, disse-lhe que esta seria condenada para sempre se não acedesse a casar com o cavaleiro.
Quando estava a ponto de a obrigar a jurar por Cristo, a outra porta abriu-se e, apesar de ser noite, entrou um raio de sol que desmascarou o falso fantasma.
A partir de então a princesa nunca mais foi obrigada a quebrar a sua promessa e passou a viver recolhida numa torre que ficou para sempre lembrada como a Torre da Princesa. As duas portas ficaram a ser conhecidas pela Porta da Traição e a Porta do Sol.



20 de julho de 2012

A Lenda do Tsuru


Era uma vez um camponês muito pobre. Vivia em uma cabana tosca e seu único alimento eram algumas verduras que colhia de sua terra cansada
Um dia, ele encontrou uma garça machucada, com a asa destroçada. Por isso ela não podia voar e buscar alimento: isto a deixou muito fraca, à beira da morte.
O camponês teve pena da garça, cuidou de sua asinha e pacientemente colocou em seu bico algumas sementes. Sua bondade a livrou da morte e quando ela pôde voar, o camponês a soltou.
Alguns dias depois, uma mulher adorável apareceu em sua casa e pediu que lhe desse abrigo por uma noite. O camponês, por ser bom, não negaria esta caridade a qualquer pessoa, mas a beleza da mulher fez com que ele acreditasse que deixá-la dormir em sua pobre cabana era realmente uma honra. Os dois se apaixonaram e se casaram.
A noiva era delicada, atenciosa e tinha tanta disposição para o trabalho quanto era bonita, e assim eles viviam muito felizes. Mas para o camponês, que já tinha muita dificuldade em viver sozinho, ficou muito difícil cobrir as despesas que sua nova vida de casado lhe trazia.
Preocupada com esta situação, a esposa disse ao marido que produziria um tecido especial (tecer era um trabalho comum para as mulheres nessa época). Ele poderia vendê-lo para ganhar dinheiro, mas ela alertou que precisaria fazer seu trabalho em segredo, e que ninguém, nem mesmo ele, seu marido, poderia vê-la tecer.
O homem construiu uma outra pequena cabana nos fundos de sua casa e lá ela trabalhou, trancada, durante três dias. O marido só ouvia o som do tear batendo, e a curiosidade e a saudade que tinha de sua bela mulher fazia com que estes dias demorassem muito para passar.
Quando o som de tecelagem parou, ela saiu com um tecido muito bonito, de textura delicada, brilhante e com desenhos exóticos. A tecelã lhe deu o nome de “mil penas de Tsuru”.
Ele levou o tecido para a cidade. Os comerciantes ficaram surpreendidos e lutaram entre si para consegui-lo. O vendedor pagou com muitas moedas de ouro por ele. O pobre homem não podia acreditar que tão de repente a sorte começasse a lhe sorrir.
Desde então, a esposa passou a trabalhar no valioso tecido outras vezes. O casal podia, com o fruto da venda, viver em conforto. A mulher, porém, tornava-se dia após dia mais magra.
Um dia, ela disse que não poderia tecer por um bom tempo. Ela estava muito cansada. Seus ossos lhe doíam e a fraqueza quase a impedia de ficar em pé.
O camponês a amava muito e acreditava naquilo que ela dizia, porém tinha experimentado a cobiça e, como havia contraído algumas dívidas na cidade, pediu para que ela tecesse somente por mais uma vez. No princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente.
Desta vez ela não saiu no terceiro dia, como era de costume. E o homem ficou preocupado. Mais três dias se passaram sem que ela aparecesse. E isso começou a deixar o marido desesperado.
No sétimo dia, sem saber mais o que fazer, ele quebrou sua promessa, espiando o serviço de tecelagem que ela fazia.
Para a sua surpresa, não era sua mulher que estava tecendo. Arqueada sobre o tear encontrava-se uma garça, muito parecida com aquela que o camponês havia curado.
O homem mal pôde dormir à noite, pensando o que teria acontecido com a mulher que amava. Amaldiçoava-se por ter sido insaciável e praticamente ter obrigado a sua querida esposa a tecer mais uma vez.
Na manhã seguinte, a porta da cabaninha se abriu e o camponês com o coração aos saltos fixou seus olhos na porta, esperançoso em ver sua esposa sair dela com vida.
A mulher saiu da cabana com profundas olheiras, trazendo o último tecido nas mãos trémulas. Entregou-o para o marido e disse:
- Agora preciso voltar, você viu minha verdadeira forma, assim eu não posso ficar mais com você!
Então, ela se transformou em uma garça e voou, deixando o camponês em lágrimas.

Lenda do Japão

19 de julho de 2012

A Garça Velha, de Monteiro Lobato.


Certa garça nascera, crescera e sempre vivera à margem duma lagoa de águas turvas, muito rica em peixes. 
Mas o tempo corria e ela envelhecia. Seus músculos cada vez mais emperrados, os olhos cansados - com que dificuldade ela pescava! 
- Estou mal de sorte, e se não topo com um viveiro de peixes em águas bem límpidas, certamente que morrerei de fome. Já se foi o tempo feliz em que meus olhos penetrantes zombavam do turvo desta lagoa... 
E de pé num pé só, o longo bico pendurado, pôs-se a matutar naquilo até que lhe ocorreu uma idéia. 
- Caranguejo, venha cá ! - disse ela a um caranguejo que tomava sol à porta do seu buraco. 
- Às ordens. Que deseja? 
- Avisar a você duma coisa muito séria. A nossa lagoa está condenada. O dono das terras anda a convidar os vizinhos para assistirem ao seu esvaziamento e o ajudarem a apanhar a peixaria toda. Veja que desgraça! Não vai escapar nem um miserável guaru. 
O caranguejo arrepiou-se com a má notícia. Entrou na água e foi contá-la aos peixes. 
Grande rebuliço. Graúdos e pequeninos, todos começaram a pererecar às tontas, sem saberem como agir. E vieram para a beira d'água. 
- Senhora dona do bico longo, dê-nos um conselho, por favor, que nos livre da grande calamidade. 
- Um conselho? 
E a matreira fingiu refletir. Depois respondeu. 
- Só vejo um caminho. É mudarem-se todos para o poço da Pedra Branca. 
- Mudar-se como, se não há ligação entre a lagoa e o poço? 
- Isso é o de menos. Cá estou eu para resolver a dificuldade. Transporto a peixaria inteira no meu bico. 
Não havendo outro remédio, aceitaram os peixes aquele alvitre - e a garça os mudou a todos para o tal poço, que era um tanque de pedra, pequenininho, de águas sempre límpidas e onde ela sossegadamente poderia pescá-los até o fim da vida.

Moral da Estória:  Ninguém acredite em conselho de inimigo.


18 de julho de 2012

O Jabuti e a Peúva


- Deixa estar! - disse esta furiosa - deixa estar que te curo, meu malandro! Prego-te uma peça das boas, verás... 

E ficou de sobreaviso, com os olhos no astucioso bichinho que lá se ria dela sacudindo os ombros. 

O tempo foi correndo... o jabuti esqueceu-se do caso; e um belo dia, distraidamente, passou ao alcance da peúva. A árvore incontinenti torceu-se, estalou e caiu em cima dela. 

- Toma! Quero ver agora como te arrumas. Estás entalado e, como sabes, sou pau que dura para cem anos... 

O jabuti não se deu por vencido. 

Encorujou-se dentro da casca, cerrou os olhos como para dormir e disse filosoficamente: 

- Pois como eu durmo mais de cem, esperarei que apodreças... 

Moral da Estória: 
A PACIÊNCIA DÁ CONTA DOS MAIORES OBSTÁCULOS.


17 de julho de 2012

O Gato Vaidoso


Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro, por feliz, se dava com as espinhas de peixe do lixo.
Certa vez, cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:
- Passa ao largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa ao largo... 
- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te de que somos irmãos, criados no mesmo ninho. 
- Sou nobre. Sou mais que tu!
- Em quê? Não mias como eu?
- Mio.
- Não tens rabo como eu?
- Tenho.
- Não caças ratos como eu?
- Caço.
- Não comes rato como eu?
- Como.
- Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois a crista desse orgulho e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens - o que tens é apenas um bocado mais de sorte...


23 de junho de 2012

A Gralha Azul



Numa fria manhã de inverno, a gralha ainda dormitava no galho do pinheiro, quando foi surpreendida por um súbito e seco barulho. Assustada, ela pôde ver um homem a desferir o machado no tronco do pinheiro. A gralha ouviu os gemidos agudos do pinheiro, enquanto que a seiva de dentro dele transbordava em dor.
Com tristeza, a gralha viu os golpes do machado, cada vez mais intensos, a cortar sem piedade o majestoso pinheiro que por muitos anos deu-lhe abrigo, tornando-se um amigo. Sabia que o destino de tão bela árvore, que por décadas a natureza tecera o porte que apresentava, seria o de uma serraria, transformada em madeira morta para servir aos caprichos humanos.
Impotente diante da tragédia que se abatia sobre o pinheiro amigo, a gralha voou em direção ao infinito, subindo muito além das nuvens, de modo que não pudesse ouvir os gemidos de dor causados pelo corte fatal do machado. Já na imensidão do céu, a pobre ave pôde ouvir uma voz terna a ecoar:
-O coração das aves é misericordioso, revoltando-se com as dores da mata! Bendita sejas tu, avezinha! Tua bondade faz-te digna do mundo. Volta para os pinhais, a partir de hoje tu serás a minha ajudante. Transformarei a tua plumagem em azul, da cor do céu. Quando voltares para os pinhais do Paraná, vais plantá-los, para que se renove e jamais se extinga.
-Sou apenas uma ave negra, a chorar a dor dos pinheiros mortos.
-Já não serás uma ave negra, já te disse, terás a cor do céu. Quando comeres o pinhão, tirar-lhe-á a cabeça, para com as tuas bicadas, abrir-lhe a casca. Nunca te esqueças de antes de terminar a tua alimentação, enterrares alguns pinhões com a ponta para cima, já sem cabeça, para que não apodreça antes que surja um novo pinheiro dali nascido. Do pinheiro, árvore da fraternidade, nascerá a pinha, da pinha nascerá o pinhão... do teu bico cairá a semente que fertilizará o solo.
Ao ouvir a voz, a gralha viu-se no topo do céu. Olhou para o seu pequeno corpo de ave e apercebeu-se que as penas negras tinham ficado azuis. Até onde os seus olhos pudessem avistar, tornara-se uma ave azul, ao redor da cabeça, onde não podia enxergar, continuou com a plumagem preta.
Ao ver a beleza das suas penas, a avezinha retornou para os pinhais. Encontrou os galhos de todos os pinheiros abertos, a convidar-lhe para pousar em seus galhos, assim ficariam perenemente. Tão alegre estava a gralha com a sua nova plumagem, que o seu canto passou a ser como um alarido a lembrar crianças a brincar. Assim a gralha, ao voltar, iniciou o seu trabalho de ajudante celeste, ajudando aos pinheiros a renascer dos seus pinhões.
Ainda hoje, quem passa pelas florestas do Paraná, consegue ver bandos de gralhas azuis matracando nos galhos dos frondosos pinheiros, comendo os pinhões que alegram as festas do povo do lugar.

Ilustrações: José Lanzellotti





Adaptação livre de Jeocaz Lee-Meddi para textos de Brasil, Histórias, Costumes e Lendas

22 de junho de 2012

Os dois burrinhos



Muito lampeiros, dois burrinhos de tropa seguiam trotando pela estrada além. O da frente conduzia bruacas de ouro em pó; e o de trás, simples sacos de farelo. Embora burros da mesma igualha, não queria o primeiro que o segundo lhe caminhasse ao lado.
- Alto lá! - dizia ele - não se emparelhe comigo, que quem carrega ouro não é do mesmo naipe de quem conduz feno. Guarde cinco passos de distância e caminhe respeitoso como se fosse um pajem.
O burrinho do farelo submetia-se e lá trotava, de orelhas murchas, roendo-se de inveja do fidalgo...
De repente...
Osh! Oah! São ladrões da montanha que surgem de trás de um tronco e agarram os burrinhos pelos cabrestos.
Examinam primeiramente a carga do burro humilde e, - Farelo! - exclamaram desapontados - o demo o leve! Vejamos se há coisa de mais valor no da frente.
- Ouro, ouro! - gritam, arregalando os olhos. E atiram-se ao saque.
Mas o burrinho resiste. Desfere coices e dispara pelo campo afora. Os ladrões correm atrás, cercam-no e lhe dão em cima, de pau e pedra. Afinal saqueiam-no.
Terminada a festa, o burrinho do ouro, mais morto que vivo e tão surrado que nem se suster em pé podia, reclama o auxílio do outro que muito fresco da vida tosava o capim sossegadamente.
- Socorro, amigo! Venha acudir-me que estou descadeirado...
O burrinho do farelo respondeu zombeteiramente:
- Mas poderei por acaso aproximar-me de Vossa Excelência?
- Como não? Minha fidalguia estava dentro da bruaca e lá se foi nas mãos daqueles patifes. Sem as bruacas de ouro no lombo, sou uma pobre besta igual a você...
- Bem sei. Você é como certos grandes homens do mundo que só valem pelo cargo que ocupam. No fundo, simples bestas de carga, eu, tu, eles...
E ajudou-o a regressar para casa, decorando, para uso próprio, a lição que ardia no lombo do vaidoso.



18 de junho de 2012

A Águia e o Escaravelho, lenda.


Uma lebre corria a não mais poder em direção à sua toca, fugindo à perseguição da águia. E em sua desabalada carreira, passou pela casa do escaravelho. Não era propriamente uma casa de segurança, mas, na falta de algo melhor, resolveu a fugitiva homiziar-se lá mesmo.
Já se precipitava a águia sobre a frágil guarida, quando o escaravelho, com intenção de salvar a agora sua protegida, postou-se lhe no caminho, dizendo:
- Poderosa princesa dos ares, em presa fácil será para Vossa Majestade apoderar-se daquela infeliz, o que muita tristeza me dará. Tende compaixão e não façais este ato, que em nada dignificará vosso nome, visto ser tão insignificante o adversário. Mais disso, a lebre minha hóspede, e em nome de Júpiter vos solicito que observeis as leis da hospitalidade. Poupar-lhe a vida, eu vos imploro. Ela, além de ser minha vizinha, é também minha comadre.
A gigantesca ave de Júpiter, como resposta, bate violentamente com a asa no escaravelho, derrubando-o na terra, para fazê-lo calar-se, e leva-se aos ares carregando em suas garras prisioneira a pequena lebre.
O escaravelho, enfurecido com o tratamento recebido, vôa até o ninho da águia e, aproveitando-se de momento em que ela se ausentara, rompe a frágil casca de seus ovos, que era toda a sua esperança de constituir família. E tal era a alegria do escaravelho, que em sua vingança não deixou um ovo sequer inteiro.
Ao retomar ao ninho, a águia, vendo a desgraça que se abatera sobre ela, atroa os ares com seus gritos. Sentia-se impotente para castigar o responsável por aquilo, pois não sabia a quem imputar a culpa. E tal era a sua aflição. Somente os ares eram testemunha de sua agonia. E todo o ano durou a tristeza daquela que vira seus sonhos maternos frustrados. 
Após passado esse ano, precavendo-se de funestos acontecimentos, a ave constrói seu ninho em local mais elevado. Mas tudo inútil. O escaravelho o descobre e mais uma vez vaza todos os ovos. A morte da lebre estava vingada mais uma vez. O sofrimento da águia foi tamanho que durante seis meses não cessaram seus gritos. Mas apenas o eco respondia a eles. 
Não sabendo mais o que fazer, a ave recorre a Júpiter, que a aconselha a depositar seus ovos numa dobra do seu manto, crendo que em nenhum lugar estariam tão seguros quanto ali, pois ele mesmo, o rei dos deuses, os defenderia. 
"Assim" - pensava - "ninguém terá a ousadia de tentar roubá-los." 
E estava certa. Ninguém tentou semelhante façanha. Mas isto porque o inimigo mudara seus planos de ataque. Foi sorrateiramente pousar no manto divino, e Júpiter, sacudindo as vestes para dali expulsar o intruso, fez rolar os ovos. 
Ao tomar conhecimento do sucedido, a águia ameaçou o deus de abandonar sua corte, indo viver solitária no deserto, dizendo outras impertinências semelhantes. 
Não se dignou Júpiter responder-lhe. Limitou-se a intimar o escaravelho a comparecer ao tribunal, onde iria ser julgado. Este contou todo o caso, desde o início, e defendeu sua causa. 
Convencido de que a águia não tinha razão, o rei dos deuses tentou fazê-la reconciliar-se com o escaravelho. Mas debalde. Os inimigos não se viam com bons olhos. Então, para acomodar a situação, resolveu a divindade mudar a época em que a águia põe seus ovos, fazendo-a coincidir com a estação em que o escaravelho, resguardando-se dos rigores do inverno, enfia-se na terra, como a marmota.


Autor desconhecido



O demônio e a intriga, conto de Malba Tahan


 Durante as longas peregrinações que empreendeu pelo mundo, o terrível e odiento Enam, o demônio dos olhos chamejantes, foi ter a uma pequena aldeia, muito além do Eufrates, chamada Nagazor. Recebido com acolhedora simpatia pelos habitantes, começou o infernal Enam a agir de acordo com os seus planos. O seu ideal era transformar a pacífica Nagazor num pequenino inferno onde dominasse a discórdia, a cizânia e a desarmonia. Mas todos os esforços do Maligno fracassaram entre as colinas de Nagazor. As artimanhas e maldades do tentador resultaram inúteis. Pretendeu semear a discórdia entre os chefes de família e não conseguiu; arquitetou mil e uma desavenças entre as esposas, mas viu cair por terra todos os seus sórdidos artifícios. Insistiam os habitantes de Nagazor em viver em paz e não havia como mudar aquele sereno teor de vida. Decepcionado com o malogro de seus torpíssimos embustes, retirou-se o Demônio. 
- Eis um recanto que não me interessa. Não vale a pena perder tempo com essa gente desfigurada e inerme. Vou em busca de outros climas. A pequena distância da aldeia topou o demônio com um rio de praias límpidas e frescas. Sentou-se na areia clara e pôs-se a meditar. Poucos minutos depois surgiu uma mulher que vinha ao rio lavar as suas roupas. Era uma rapariga forte, de ombros largos, fisionomia simpática, tostada pelo sol. Sob o pano azulado que lhe envolvia a cabeça repontavam pequenas manchas de cabelo castanho; os seus olhos eram negros e vivos. 
Ao vê-la chegar Enam sorriu meio desconfiado. A mulher parou, deixou cair ao chão a pesada trouxa que trazia, e encravando resoluta as mãos na cintura encarou com arrogância o maligno viajante. 
Que pretendes aqui? - inquiriu com petulante desembaraço. - A tua fisionomia não me parece estranha. És Enam, o mal-intencionado Enam! - Sim, minha boa amiga - volveu o Maligno com voz sucumbida. - Sou Enam, o terrível, mas o período áureo de minha vida já terminou; encontro-me em desastrosa e irremediável decadência; as almas fogem de mim e escapam de minhas mãos. Vejo-me agora despojado de meu tão temido e secular poder. 
Fui arrasado por essa gentinha impertinente de Nagazor. E o Demônio relatou à lavadeira, com todas as minúcias, o seu fracasso na aldeia e a inutilidade dos seus embustes e artimanhas. - Não passas de um simplório - garganteou a mulher, imprudente, sorrindo com desprezo. - Ainda não percebeste que os teus recursos satânicos se limitam a truques obsoletos e ridículos? 

8 de junho de 2012

A LEBRE E A PERDIZ, La Fontaine

Uma lebre e uma perdiz moravam em um lugar sossegado no campo, longe do reboliço que costuma caracterizar o dia-a-dia dos humanos. Viviam em paz e harmonia naquele pequeno território que elas e outros animais haviam escolhido para construir seus abrigos, tocas e ninhos, ali desfrutando da fartura de alimentos que a natureza lhes oferecia graciosamente.

Um dia, porém, a busca contínua pela expansão dos seus domínios fez com que os homens chegassem à região. Caçadores e seus cães começaram a percorrer todos os recantos daquele lugar até então tranqüilo, levando o medo e sobressalto aos animais que nele habitavam. A lebre e a perdiz foram dos primeiros a perceber que eles se aproximavam, e então se puseram em fuga, buscando salvação.

A lebre, coitada, correu o mais que pôde, mas os cães de fino faro seguiram em seu encalço, sem lhe dar trégua, aproximando-se a pouco e pouco, cada vez mais excitados diante da expectativa já quase real de abocanharem a presa. Até que conseguiram abatê-la pouco mais adiante, colocando um ponto final na vida até então pacífica e sossegada da pequena fugitiva.

Por sua vez, a perdiz se manteve escondida atrás de uma moita durante todo o tempo em que sua vizinha tentava salvar a vida. Mas em dado momento ela percebeu que os homens armados e atentos caminhavam em sua direção, cada vez mais próximos, e por isso bateu asas e voou buscando a proteção das alturas. Mas em vão. Porque nem bem havia ultrapassado a copa das árvores e uma ave de rapina caiu sobre ela como um raio, levando-a
nas garras para o ninho onde seus filhotes aguardavam ansiosos pela refeição.


Moral da história:Na vida, todo cuidado é pouco.


Baseado em uma fábula de La Fontaine.
Por FERNANDO KITZINGER DANNEMANN

3 de junho de 2012

O COMPADRE DA MORTE - Lenda


UM lavrador pobre tinha tantos filhos que não sabia a quem convidar para padrinho dos recém-nascidos. Quase todos na aldeia eram com padres dele. Nascendo-lhe mais um filho, fico atrapalhado para saber quem levasse a criança ao batismo. Estava pensando no caso quando passou por ele um homem muito alto, magro, vestido de branco, que parou e o cumprimentou amavelmente. O lavrador perguntou se ele aceitava ser o padrinho do seu filho mais moço.
— Sabes quem sou eu?
— Não senhor! Mas me parece ser homem honrado e bom!
— Sou a Morte e aceito ser teu compadre. Acompanhou o lavrador à igreja, ficando seu compadre. Quando voltaram a casa, a Morte disse:
— Escute lá. Não tenho dinheiro nem fazenda para o meu afilhado, mas posso fazer o meu compadre tornar-se um homem rico.
— Como será isso, meu compadre?
— Preste atenção! Diga a todos que é medico e vá atender aos doentes. Quando lá chegar me verá. Se eu estiver no lado da cabeça do enfermo, dê o que quiser e ele curar-se-á, mas se eu estiver aos pés da cama, o homem está perdido.
— Pois é caso entendido, meu compadre.
Começou o lavrador, que era desempenado e afoito, a dizer-se curandeiro e visitar doentes por toda a vizinhança. Quando via a Morte perto da cabeceira do doente, punha-o sadio em poucos dias. Quando via a Morte aos pés do enfermo, receitava umas águas simples, cobrava o dinheiro e se ia embora, desenganando a todos. Ganhou fama e proveitos crescidos, ficando rico e conhecido em toda a parte. 
Já muito velho, o curandeiro foi chamado por um homem muito poderoso e rico. Apesar de relutar, dizendo-se cansado e não mais podendo aceitar consultas, foi obrigado a pôr-se numa carruagem e ir. Lá chegando, logo que olhou para o quarto do ricaço, avistou o compadre Morte, bem sentado aos pés da cama. A família do enfermo prometia os castelos de Espanha se o chefe recobrasse a saúde. O curandeiro imaginou um plano de burlar o pacto com a Morte e ganhar mais aquela fortuna. Mandou voltar o leito, de maneira a ficar os pés onde estava a cabeça e esta onde estavam os pés. A Morte, assim que voltearam a cama, foi-se embora, sem dizer uma só palavra.
O curandeiro recebeu uma gorda quantia e voltou para casa satisfeito.
Anos depois, a Morte veio visitá-lo e lhe disse: — Meu compadre, de hoje a um ano virei buscá-lo porque deve ter chegado o dia de sua viagem…
O Curandeiro ficou espavorido com o anúncio. Para enganar a Morte mais uma vez, quando se aproximou o dia fatal, pintou os cabelos de preto, pôs umas barbas retintas, convidou uns amigos e começou a beber e a rir, como se fosse outra pessoa.
Chegou a Morte e, não o vendo, perguntou pelo seu compadre. Todos os convidados responderam que o dono da casa não estava e nem sabiam quando ele voltaria.
— Ora, ora — monologou a Morte, desaponta da — como não posso perder meu tempo nem a minha viagem, vou levar esse barbadão bebedor… E levou com ela o seu compadre.



Os Animais e a Peste



Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
- Esta peste é um castigo do céu - respondeu o macaco - e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
- Qual? - perguntou o leão.
- O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o sacrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência. E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário. Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário. Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa... Aos miseráveis, nada se perdoa


2 de junho de 2012

O PULO DO GATO


A raposa andava maluca para pegar o gato. Mas ela sabia como todo mundo sabe, que o gato é o maior mestre pulador e nem adiantava tentar agarrá-lo. Com um salto de banda, o danado sempre se safava. Decidiu então a raposa usar da esperteza. Chegou-se para o gato e propôs a paz: - Chega de correr atrás um do outro, mestre gato. Vamos agora viver em paz! - Não é bem assim, comadre raposa - corrigiu o gato. - Não é um que corre atrás do outro, é uma que corre atrás do outro, é a "uma", que é a senhora, que corre atrás do "outro", que sou eu... - Bom, de qualquer forma, vamos fazer as pazes, amigo gato. Como o senhor é mestre em pulos, proponho que, para celebrar nosso acordo de amizade, o senhor me dê um curso de pulos, para eu ficar tão puladora como o senhor. Pago-lhe cada lição com os mais saborosos filés de rato que o senhor já experimentou! 
 O gato aceitou e começaram as lições no mesmo dia. A raposa era aluna dedicada e o gato ótimo professor. Ensinou o salto de banda, o salto em espiral, a cambalhota simples, a cambalhota-com-pirueta, o duplo-mortal, o triplo-mortal e até o saca-rolha-composta. A raposa todos eles aprendia, praticava depois das aulas e, logo, já estava tão mestre em pulos quanto o gato. Decidiu então que já era chegada a hora de colocar em prática seu plano sinistro. 
No começo de outra aula, esgueirou-se por trás do gato e deu um bote, caprichando no salto mais certeiro que o mestre lhe tinha ensinado! E o gato? Deu um volteio de banda, rolou no ar, e a raposa passou chispando por ele, indo esborrachar-se num toco de aroeira. Ainda tonta da queda, a raposa voltou-se para o gato e protestou: - Mas mestre gato, esse pulo o senhor não me ensinou! -Não ensinei, nem ensino! -riu-se o gato. -Esse é o segredo que me salva de malandros como a senhora, comadre raposa. Esse é o pulo do gato! BANDEIRA,Pedro. Nova Escola,nº48.


1 de junho de 2012

ÂNDROCLES E O LEÃO. Lenda

Conta uma velha lenda que, antigamente, nos tempos do domínio Romano, existia um escravo chamado Ândrocles, que conseguiu escapar do seu dono cruel. Perseguido, escondeu-se em uma caverna. De repente ouviu um rugido assustador e se deu conta que ao seu lado estava um grande leão com um espinho na pata. Ândrocles percebeu que sua pata estava inchada e muito inflamada devido ao espinho. Condoído com o sofrimento do leão, Ândrocles aproximou-se dele,retirou o espinho, lavou o ferimento e enrolou a pata do animal com um pedaço do pano da própria roupa. O alívio do leão fez com que ele ficasse muito amigo de Ândrocles.

Certa manhã, quando fugia para a África,Ândrocles foi capturado pelos soldados e levado preso para Roma onde o levaram para o Coliseu para ser devorado pelas feras na arena.No dia de espetáculo público, Ândrocles foi obrigado a entrar na arena para, desarmado,lutar com um leão feroz, como castigo pela fuga. Sua pena era servir de espetáculo nas festas do Coliseu romano, cujas pessoas eram comidas por feras famintas.

Quando Ândrocles estava no meio do Coliseu, soltaram a fera, e para surpresa de todos, ao invés de atacar o escravo, aquele imenso e forte leão veio correndo na direção dele, que o aguardava apavorado. Mas, para a perplexidade do pobre homem, o leão se pôs a lamber os seus pés e começou a brincar com ele. Então Ândrocles percebeu que o leão escolhido para matá-lo era aquele mesmo que ele tinha encontrado na caverna com a pata ferida e que ele tratou, curou e se tornara seu amigo. Emocionado, o escravo abraçou o leão e chorou agradecendo à fera que se mostrava bem mais humana que os homens.

O imperador, impressionado com o que vira, concedeu-lhe o perdão a Ândrocles, libertou-o da escravidão e deu-lhe de presente o leão.