Em nome de Allah, Clemente e Misericordioso! Viveu, outrora, na Pérsia, meio século depois de Timur Lenk, um Príncipe, generoso e bravo, que se chamava Shack Bock. Afirmam historiadores altamente abalizados que esse glorioso Emir tinha, em sua imponente corte, um sábio, mestre e conselheiro, cuja nobre função era orientar o monarca em suas decisões, esclarecê-lo em suas dúvidas e corrigi-lo em seus erros e injustiças.
Esse ulemá, judicioso e previdente, chamava-se Ismail Hassan, e era, pelos nobres muçulmanos, apelidado o Saryh (aquele que é sincero).
Um dia muito cedo, logo depois da prece da madrugada, prece do ritual que os árabes denominam sobh, o Príncipe mandou que viesse à sua presença o douto conselheiro da corte.
Fazia todo o empenho em ser urgentemente elucidado sobre um caso que se apresentava enrodilhado pelo mistério.
Sem perda de tempo, o ilustre Ismail, o Saryh, deixou os seus aposentos, e foi ter ao luxuoso divan (sala de audiências) do soberano persa.
O que teria acontecido? Que caso, assim, tão grave, intrigava o Rei?
O monarca parecia pálido. Em sua fisionomia morena surgiam, tracejando linhas incertas, as sete rugas da intranqüilidade.
Depois das saudações habituais, sem mais preâmbulo, disse o Emir ao judicioso Ismail:
- Acabo de receber, do Khorassan, este pequeno cofre, encontrado pelos meus agentes secretos, entre os despojos do infeliz e estouvado Khalil, senhor de Candahar. Dentro desse cofre vinha, apenas, esse singularíssimo anel de ouro. Desconfio que se trata de jóia raríssima, que pertenceu ao grande Timur Lenk. Como poderei descobrir o enigma que envolve esse anel?
E o Príncipe, estendendo a mão, entregou ao douto Ismail o misterioso anel de Candahar.
Ismail, o sábio (Allah, porém é mais sábio!), examinou detidamente a jóia, virando-a e revirando-a na palma da sua mão. E depois de refletir, em silêncio, durante algum tempo, assim falou ao Príncipe, seu amo e senhor:
- Julgo-me capaz de esclarecer esse mistério. Afirmo que uma das peças mais valiosas do tesouro persa acaba de chegar às vossas mãos. Este anel é o precioso e tão ambicionado anel mágico, que pertenceu ao invencível Timur Lenk, o Perseverante (que Allah o tenha entre os eleitos!). Como podeis ver, este anel, no rico escudo em forma de tâmara, ostenta, em letras bem talhadas, a palavra tão bela e sonora: - Iazul.
- Sim, sim – confirmou o Príncipe, muito sério – já o havia notado. No escudo, entre dois brilhantes pequeninos, lê-se a palavra Iazul. O mistério, a meu ver, permanece. O que significa, afinal, Iazul?
O sábio Saryh ergueu o rosto e, discorrendo em tom pausado e claro, explicou:
- Cumpre-me dizer-vos, ó Rei do Tempo!, que Iazul é uma palavra mágica, de alto e misterioso poder. Asseguro que é a palavra mais expressiva e eloqüente entre todas as que figuram no riquíssimo vocabulário persa. É mágica, repito. Reparai bem: Tem o dom de nos tornar alegres, quando estamos tristes, e de moderar as nossas alegrias, nos momentos de extrema felicidade e ventura.
- Singular, muito singular – refletiu o Rei. - É, realmente, de alta magia, essa palavra que transforma as alegrias em preocupações, e que consegue aniquilar, ou pelo menos conter, as mágoas e tristezas que pesam em nosso coração!
E, fitando gravemente o sábio, acrescentou:
- Mas insisto em perguntar: O que significa essa palavra Iazul? Como podemos traduzi-la?
Respondeu o eloqüente e esclarecido ulemá:
- Iazul, ó Rei!, dentro da sua espantosa simplicidade, significa, apenas Isso passa! Ou ainda: Tudo passa! Quando o homem atravessa períodos de felicidade, de alegria cor-de-rosa, de sorte e tranqüilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades. Convém que o afortunado não esqueça: Iazul! (Isso passa!), a roda do Destino é incerta; a vida é cheia de mudanças. Há ocasiões, porém, em que nos sentimos anavalhados pelos sofrimentos, pelas enfermidades, feridos pelas desgraças, caminhando sob a nuvem da má sorte, da ruína e atingidos pelos golpes imprevistos do infortúnio. Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos, cheios de fé, fortalecidos de esperanças: Iazul! (Isso passa!). Sim, tudo passa! Virão dias melhores, dias calmos, dias felizes; a prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada; a saúde será reconquistada; a serenidade procurará pouso em nosso atribulado coração!
E, depois de ligeira pausa, o sábio concluiu:
- E, assim, ó Rei!, posso afirmar que Iazul, a palavra contida no pequeno escudo deste anel, é mágica! Alivia e abranda as tristezas dos infelizes; controla e arrefece as alegrias alucinadas dos exaltados!
Ao ouvir as eloqüentes e judiciosas explicações do velho ulemá, o Rei tomou o anel, colocou-o no dedo indicador da mão esquerda e disse, serenamente:
- Que notável, interessante e proveitosa lição recebi hoje! Conservarei comigo este precioso anel. Jamais esquecerei em todos os momentos culminantes de minha vida, no meio de estonteantes triunfos, ou sob o guante da desgraça, de recorrer ao eterno ensinamento contido nesta palavra mágica: Iazul!
Quero, ó irmão dos árabes!, terminar esta lenda exatamente como a iniciei:
Esquece, pois meu amigo, esquece, por um momento, as tuas tristezas e aflitivas preocupações; livra-te desta angústia instilada em tua alma pelas incertezas da vida, senta-te, aqui a meu lado, e escuta, com religiosa atenção a palavra mágica: Iazul!
E vale a pena repetir: Iazul! Iazul! Isso passa! Isso passa!